Do outro lado das teclas

Uma história a quatro mãos, separadas por um mar.

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    Desceu.
    Bebeu.
    Subiu.
    Tomou.
    Cantou.
    Tá proibida de falar!
    Tou? Mordaça? Censura?
    Não. Sim. Escudo.
    Escudo? Como assim?
    Escudo contra as setas que irradiam dessa voz.
    Ah é? Voz de martelo?
    Martelo? Hmmmmmmmmmm. Se você imaginasse...
    O quê?
    O efeito que faz em mim....
    E que efeito é esse?
    Preciso dizer? Não viu já?
    Puxou-o para ela, torceu a cabeça, num gesto muito seu.
    Acho que vi... Não posso então falar?
    Não.
    Deitou-se sobre ele e falou, falou, falou.
    Não se olhavam agora.
    Apenas as palavras, o quadro rasgado, a luz de um céu que parecia envergonhar-se de tão belo. Corava, avermelhava, dava estranhos tons à pele.
    Algures, alguém, dois alguéns batem em teclas em busca de um sonho...
    Feito nós fazíamos?
    Sim. Duvida que está a acontecer neste preciso momento?
    Não. Duvido, não.
    Pois então, vivamos o sonho.

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    Água fresca, água fresca...
    Ela sorria, olhando espantada aquelas súplicas.
    Vou buscar água ao frigorífico.
    Que frigorífico? Na geladeira, você quer dizer... se habitua porque vai ficar muito tempo...
    E vou?
    Ah, vai! Vai, sim. E eu lá deixo você me escapar?
    Será que não? Logo, logo você estará desejando de me ver pelas costas...
    Que pelas costas? De frente e bem alerta!
    Vejamos...
    Pegou nela, virou-a e enconstando-se depois nas suas costas, segredou-lhe:
    Que tal irmos até à Turquia, agora?
    Aquela massagem que me prometeu seis séculos atrás?
    Só que não comprei bálsamo...
    Viu? Como você não liga nem um pouquinho pra mim?
    É. Agora você disse tudo. Não ligo mesmo. Essas últimas três horas eu passei lendo um livro, só que não me lembro do enredo...
    O QUÊ? NÃO SE LEMBRA? – a almofada acertou-lhe em cheio na cara.
    Guerra, hein? Nem um gole de água você permite ao sofredor, ao supliciado...
    O QUÊ? SUPLICIADO? Venha aqui... Quê?... Deixa-me! Larga-me! Nãããã.... ãããã....hmmm....

    Ah, chega! Larga-me! Ufff! Agora me deixa... Água... Ah ah ah ah ah ah, cruzes…ah ah ah ah ah ah…
    Ah, agora quer água?
    Quero! Claro que quero! Tonto, maluco, você não pára nunca? Qué qué isso?
    O quê? Não está gostando?
    Vixi! O home é danado. Parece que teve preso vinte anos. Cruzes... pára... pára... ah ah ah ah ah ah... não! Agora vou beber água!
    Então traga para mim também, por favor.
    Soltou-se e foi, sorrindo com o canto do olho...

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    Posso?
    Pode o quê?
    Posso?
    Ah! Dirigir?
    Sim. Conduzir. Dirigir a minha menina pelos trilhos do sonho de João, o Bosco...
    Que João? Que Bosco? Agora o sonho é de outros...
    Sabe há quantos anos não conduzo um Clio?
    Não.
    Há onze. Grandes carros. Quantos milhares de quilómetros não fiz num desses. Claro que era a primeira versão. Foi dos primeiros que se comercializaram em Portugal. Nunca deu problemas, excluindo a história dos primeiros quilómetros...
    Que foi?
    Um problema de travões que me custou um pequeno acidente. Uma avaria intermitente no sistema de travagem. Ainda hoje estou para saber o que estava avariado.
    Não soube?
    Não. Fazer o quê? Mas não tenha medo que não vou dar cabo do seu...
    Eh eh!
    E atenção, senhores ouvintes, pela primeira vez na América...
    Lá vem!
    E você ainda não viu tudo... quero dizer não ouviu...
    Ah, é? E o que mais tem? Programas musicais, nessa rádio?
    Também. Mas você depois verá como são as emissões na madrugada...
    Quê? Na madrugada? Tá louco?
    Eh eh... Sobradinho? Vamos beber um café a Sobradinho!
    Não íamos para casa?
    Você agora tá descobrindo a minha faceta errante... Não resisto a um sinal de trânsito, a uma seta me indicando um lugar...
    Vou encher a minha casa de setas, então...
    Vai? E você me quer por lá? Tem a certeza?
    Agora você tá me cafundindo...
    Tou não. Vamos mas é beber o tal café.
    Tá. Seja Sobradinho, então.

    Os sabores do café do Brasil...
    Vai tirar um curso em caféologia?
    Quem sabe? Você rubrica o meu diploma?
    Rubrico. Mas não esse, um outro.
    Huummmmmmmm. Interessante. Que outro curso será esse?
    Surpresa. Quem viver, saberá!
    Tá bom. Vou então inscrever-me num curso que nem imagino qual seja... tá certo!

    Dá cá o saco, menina...
    Não. Você já leva esses aí...
    Dá cá esse. É o mais pesado, e depois você ainda parte a garrafa do argentino, só de vingança...
    Tá com medo pelo vinho? Se arreceia?
    Claro. E eu ia lá deixar de provar essa ambrosia...
    Pois sim, só espero que não lhe aconteça o mesmo...
    Bem, tem duas razões para essa escolha: a 1ª é que é uma espécie de recompensa a você por não ter compartilhado da tal garrafa. A 2ª é, como já disse, para me colocar no seu lugar...
    Não precisa disso para se colocar no meu lugar, basta tentar ocupar o mesmo espaço...

    Pronto, é o último. Tudo arrumado.
    E agora, o que quer ver mais?
    Ora, deixa ver... – coçava a barba, olhando o tecto.
    Rodou, girou uma volta inteira, saltou, rasgou, e disse:
    Eu bem lhe dizia que era melhor vestir uma camisa minha...
    Ela esbracejava, enquanto era transportada pelo ar...

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    Sabe que quando me falou em Dom Bosco, e eu lhe disse que tinha nome de santo, fiz a associação com São João Bosco e estava longe de perceber que se tratava de uma e a mesma pessoa...
    Eu percebi... mas não disse nada.
    Marota, deixou-me no engano...
    Eh eh, deixei você se levar por essa associação de ideias, me agradou isso...
    Atenção, senhores ouvintes, estamos aqui em frente ao Palácio da Alvorada...
    Qué isso? Radialista, agora?
    Estou a pensar nos meus amigos, lá do outro lado... horas de almoço ou de cafézinho...
    O QUÊ? A PENSAR EM SUAS AMIGAS?
    Eu disse amigos... amigos, amigas. Sabe que nos meus tempos de juventude, tínhamos um ritual que consistia em reflectir, só enquanto se dizia a frase, na realidade era isso...
    Reflectir? Nas meninas?
    Não. A certa hora da tarde, eu virava-me para um dos meus amigos e deitado sob o sol, gozando a calma da praia, dizia: Reflictamos pois nos nossos amigos que ficaram por lá, e que a esta hora estão no café para a habitual sessão de antes do jantar...
    Ah, sim? Gozando com os pobres?
    Gozando, não... reflectindo. Um ritual de fim de tarde.
    Sei...
    Pois bem, já reflecti. Talvez não fosse má ideia levar as coisas para casa, não acha?
    Melhor, sim.
    Então me leva, me conduza sempre por esta terra. Invente rotas, faça-me voar...
    Não teve tempo de levantar as asas, um empurrão prostrou-o no chão.
    Isto é um assalto?
    Poderemos dizer que sim...
    Já não conseguiu dizer mais nada. Ela o beijou voluptuosamente...

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